Ismail Xavier fala sobre Crítica na revista Trópico


Como você, que deu aulas nos Estados Unidos e na França, vê a crítica de cinema que é feita em jornais e revistas de grande circulação -de cunho jornalístico, portanto- e a que é feita na academia, nesses dois países?






Ismail: Com relação à questão das correntes críticas nos Estados Unidos e na França, temos que distinguir os veículos dentro dos quais elas se manifestam. Nos dois países -e a gente pode incluir também o caso brasileiro-, existe a crítica de jornal e de revistas, que tem uma periodicidade mais acelerada (na França, os “Cahiers du Cinéma”, como a “Sight and Sound”, na Inglaterra, a “FilmComment” e a “Cineaste”, nos Estados Unidos) e definem espectro de respostas ao que é contemporâneo em termos de produção, de debate estético, de relação com determinados filmes e cineastas, ou determinados conjuntos nacionais.

Por outro lado, desde que o mundo universitário passou a fazer parte do contexto geral de reflexão, crítica e produção de textos, ele trouxe outro recorte e um estilo de reação que tem outra temporalidade e se apóia de forma mais sistemática na pesquisa, seja histórica, seja no plano teórico propriamente dito. Isto muitas vezes gera o que já vimos acontecer com a crítica literária há mais tempo: tensões, disputas de hegemonia entre o jornalismo e a academia. Em caso extremo, preconceito mútuo.

Tenho um exemplo a partir de uma experiência que tive na França, quando estava na Universidade Paris III, em 1999. A crítica Sylvie Pierre, que permanece distante da academia, me convidou para participar de um colóquio sobre a crítica de cinema, na Normandia, onde fica Moulin d’Andé, moinho medieval em que Truffault filmou parte de “Jules et Jim”, o que tornou a locação algo mítico no mundo do cinema, resultando na criação de um centro para o apoio a roteiristas, o o Ceci, que ganham bolsa para lá desenvolver os seus trabalhos. O colóquio reuniu pessoas que eram da política das revistas, como “Vertigo”, os “Cahiers du cinéma”, “Trafic” etc. “Vertigo” é revista que reúne críticos e professores, como Jean-Louis Leutrat e Suzanne Liandrat-Guigues, e tem uma periodicidade irregular, não saindo mais do que duas vezes ao ano.

Ali ficou muito clara a situação na França. Percebi uma tensão limite entre os críticos e o pessoal da universidade. E o ponto de tensão vinha do fato de que a premissa dos críticos era de que quem fazia o trabalho árduo de juízo de valor, de configuração de uma hierarquia que permita apontar o que é melhor e que vale mais a pena você estudar com atenção, quem hierarquizava o campo e dava a pauta, era a crítica dos periódicos.

A academia vinha depois e se apoiava nesse campo já mapeado e fazia trabalhos que poderiam aprofundar determinadas análises, que poderiam fazer conexões históricas, poderiam entrar em detalhes com relação a determinadas obras, trazendo uma ampliação de repertório. Claro que há diferença entre esses dois momentos, mas não vejo motivo para hierarquizá-los, para definir porque um é mais importante do que o outro. O fato de um preceder cronologicamente não lhe dá uma precedência lógica, de contribuição para a riqueza do campo, pois a longo prazo um tipo de produção incide sobre a outra numa relação circular.

Afora o fato de que muitas vezes a mesma pessoa se envolve nas duas pontas do processo, da resposta imediata e mais polêmica, e da revisão e de balanço, de pesquisa histórica e teórica que também podem trazer polêmica, revisão de valores, nova hierarquia na avaliação de filmes. Para mim, as coisas se somam e devemos descartar o mito de que não há profundidade na crítica nem risco na academia.

Na França e no Brasil, comparados com os Estados Unidos, há mais interação entre o mundo acadêmico e o mundo da crítica. Apesar das tensões todas que eu vi no colóquio, há possibilidade de encontrar em determinadas revistas cuja reflexão influencia diretamente a teoria. Só para ficar no período já marcado pela academia, pensemos em Serge Daney e seu papel na cultura cinematográfica francesa. Isso é mais difícil de encontrar nos Estados Unidos; são dois mundos bem mais distantes; são muito raras as ocasiões em que figuras bem conhecidas no mundo acadêmico têm um papel contínuo no mundo do jornalismo. Por outro lado, existe uma rede mais sistemática de publicações acadêmicas com uma dinâmica interna própria, ele inclusive pode até se descolar da sociedade.




Fonte: Revista Trópico

1 Comentário(s) para “Ismail Xavier fala sobre Crítica na revista Trópico”

  1. # Blogger romulo de almeida portella

    gostei muito de tomar conhecimento sobre essas distinções entre a crítica jornalística e a acadêmica.  

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