Contra o insight

Bordwell em sua coluna na revista canadense CinemaScope, n.26.

"Interestingly, academic film writing also shares with journalistic criticism a belief in generating insights. It’s one of the reasons that Theory is driven by fashion. Once one big doctrine has run out of insights, we’re on to the next. But what’s an insight? Is it just a twitch or tingle? Or is it closer to a hunch—something that should be speculated on, investigated, analyzed, and tested? Intellectuals should turn insights into clear-cut ideas, reliable information, or nuanced opinions, but neither journalistic critics nor academic ones do this very often."
David Bordwell





Conexão Crítica - 1
por Fernando Veríssimo

Os últimos meses têm sido especialmente pródigos em lançamentos de publicações independentes voltadas para o cinema aqui no Brasil: assistimos ao surgimento da revista impressa Paisà, que chega agora ao segundo número avançando na proposta de atender ao leitor cujo perfil se define pela busca de mais que apenas informação – um "leitor Arteplex", com o perdão da redução; ou do sítio Cinequanon, que vem perseguindo um formato particularmente interessante, disponibilizando quase sempre uma variada seleção de textos sobre um mesmo filme em cartaz – uma postura editorial louvável. Aliadas à explosão de olhares e vozes que surgem dia após dia na blogosfera, poder-se-ia dizer que estas publicações trazem consigo o germe de uma disputa saudável sobre os caminhos da crítica de cinema no país.

O surgimento destes novos espaços cumpre, a rigor, uma dupla função. Ao arejar o debate, muitas vezes estéril porque encurralado entre vícios editoriais seculares, amplamente difundidos no exercício da mídia oficial, e discussões complexas, engajadas no mais das vezes na disputa entre diferentes e irreconciliáveis hábitos de cinefilia, estes novos espaços vêm para questionar, através de sua própria existência, e para sedimentar, com a variedade de vozes, o papel da crítica cinematográfica – cada um a seu modo particular. Com isso ganham todos, especialmente as publicações pioneiras, já tradicionais (Contracampo, Cine Imperfeito, Críticos.com, etc.), que passam a contar com uma ampla caixa de ressonância a que dirigir seus esforços.

Falando em novas publicações, a Fipresci passa a partir deste mês a abrigar em seu sítio a revista Undercurrent, editada por Chris Fujiwara. A primeira edição apresenta uma sólida seleção de textos, com destaque para análises de fôlego dos últimos trabalhos de Tsai Ming-liang, Philippe Garrel e Cameron Crowe, um apanhado de artigos curtos sobre curtas, e uma entrevista seminal com Leslie Shatz, o responsável pela criação sonora dos últimos filmes de Gus Van Sant. Além de uma homenagem a Barthélemy Amengual, a revista oferece um espaço privilegiado, como era de se esperar, à própria crítica como tema: ela é objeto de uma mesa redonda realizada no Festival de Brisbane em 2005, cujos participantes incluem o gigante Klaus Eder e o essencial Adrian Martin – transcrita na íntegra nesta edição de estréia da Undercurrent.

Também leitura essencial sobre crítica é a entrevista de David Bordwell a Chuck Stephens, publicada na revista canadense Cinema Scope. Bordwell é figurinha fácil em cursos de cinema, graças a duas ou três obras de referência no campo teórico, e sua trajetória crítica – à margem da academia – é absolutamente fascinante. Esta entrevista é reveladora de sua paixão pelo exercício da crítica – que ademais pode ser conferida em seu sítio pessoal.

Mas como crítica, naturalmente, não se faz só de palavras, mas principalmente de filmes, vale apontar uma última e ligeira nota para o Bafici – Festival Internacional del Cine Independiente de Buenos Aires –, às vésperas do encerramento no momento em que escrevo. Boas coberturas do evento podem ser encontradas no sítio da El Amante (traz textos diários) e no blogue do norte-americano Dave Kehr. O elenco desta edição é estelar: filmes de Shirley Clarke, Tod Browning, John Carpenter, Jean Claude Biette, Abbas Kiarostami (uma esplêndida seleção de curtas), Frederik Wiseman, Shirley Clarke, Jonas Mekas, Jan Svankmajer, Jim McBride, Peter Watkins (uma retrospectiva notável); para não falar em pérolas como The Last Movie, de Dennis Hopper, ou We Can't Go Home Again, de Nicholas Ray.

É um tanto triste constatar que da temporada de caça ao melhor que o cinema mundial tem a oferecer atualmente, que se abre no mês que vem em Cannes e se encerra no próximo Bafici, nos chegam algumas migalhas – e isso menos por trabalho criterioso de curadoria que por puro acaso. Vale a pena dar uma boa olhada na programação do Bafici, e descobrir que nomes como Kyoshi Kurosawa, Hou Hsiao-hsien, Naomi Kawase ou Hong Sang-soo não aparecem ali como pérolas escondidas em uma programação pasteurizada.

DOC ON-LINE: revista de cinema documentário

Já saiu a publicação do número 1 da Doc On-line: Revista digital do cinema documentário com o tema “Histórias do documentário”. Vale navegar pelo endereço http://www.doc.ubi.pt

"A TV irá dominar o futuro da narrativa"

Ótima a entrevista (FSP, 12.12.2006) com Robert McKee um dos papas do Roteiro norte-americano e autor de "Story".

Folha - Se os melhores estão na TV, o cinema está em declínio?
MCKEE - O cinema como uma forma de entretenimento sempre venderá ingressos, mas, como forma de arte, está em grande perigo. A ascensão de séries televisivas de expressão, como "Six Feet Under", "Sex and the City", "Deadwood" e "Família Soprano", corre paralelamente ao declínio do cinema. Considerando tendências que venho observando há duas ou três décadas, a televisão irá dominar o futuro da narrativa.

Folha - Quais são as maiores diferenças entre escrever para a TV e para o cinema?
MCKEE -
A principal diferença é a quantidade de diálogo usada. A tela da TV é pequena, então, para ser visualmente expressiva, a câmera de TV deve estar próxima de seus objetos. Quando trabalhamos em planos fechados, naturalmente escrevemos mais diálogos. Também escrevemos mais diálogos para a TV, porque os orçamentos dela são geralmente menores do que os do cinema -e, embora diálogos custem muito em termos de criatividade, são relativamente baratos de filmar.

Entreatos, Doc de João Moreira Salles



"Em entrevista para o último número da revista de antropologia "Sexta Feira", Salles afirma que, como a objetividade total é impossível, a saída para o documentário está justamente em explicitar a relação entre filmadores e filmados, no que chama de "filmes de encontro".
"Como nos documentários de Eduardo Coutinho: ele não filma o outro, ele filma o encontro com o outro", diz o cineasta. Se a objetividade é o problema "epistemológico" (sobre a capacidade de conhecer) por excelência do documentário, a imparcialidade é o caso específico desse problema num cinema de não-ficção sobre política."
Rafael Cariello (Folha de São Paulo, 10.12.2006)

Projeto Figuraça


AS FIGURAS DO LISBOA
por Fernanda Félix Carvalho Martins


Daniel Lisboa (27 anos, graduado em cinema e vídeo pela FTC, autor de “O fim do homem cordial” , curta que conquistou prêmios de importância nacional) está com uma nova produção: o projeto Figuraças, que já recebeu dois prêmios (XIII Gramado Cine Vídeo e VIII Fórum Brasileiro de Televisão). A idéia é construir um catálogo audiovisual de figuras emblemáticas de Salvador (Lázaro, Seu Marinho, Jayme Figura, Telepata, Pimentinha...) através de uma série de programas a fim de conhecer um pouco sobre os hábitos, gostos e opiniões destas “celebridades”.
O roteiro “dança conforme a música” e Daniel corre atrás dos contatos dos figuras que definem, não somente o local da entrevista, como também o conteúdo desta. Segundo Daniel, as gravações têm a preocupação em deixar os figuras bem a vontade, na intenção de conduzir estes vídeos de forma mais natural e espontânea possível.
Pelo menos foi assim com o Senhor Marinho (o famoso senhor que se comporta como guarda de trânsito nas ruas do centro de Salvador, apitando para os motoristas, parando o trânsito para travessia de pedestres e ainda multando os infratores), o melhor dentre os três vídeos exibidos durante um encontro no auditório do Campus Lapa da UCSal, produzido pelo grupo de pesquisa da instituição: GRACC. Salvo alguns enquadramentos duvidosos (perdoados pelas circunstâncias em que foram feitas as gravações) o vídeo ficou excelente. De início, a resistência do figura e a persuasão da equipe de filmagem geraram um clima bem humorado e espirituoso. Aos poucos Sr. Marinho foi aceitando a idéia de ser filmado e passou a dialogar com a câmera como se dialogasse com alguém (neste caso o diretor) e, conseqüentemente, com nós mesmos espectadores (graças a câmera subjetiva adotada durante toda a gravação).
O mesmo não aconteceu com o Jaime Fygura, artista plástico conhecido como “o homem pinaúna”, entre outros apelidos, não havendo relatos que alguém tenha visto seu rosto. Coberto de sucatas da cabeça aos pés, ele perambula pelo Centro de Salvador causando grande repercussão. Na filmagem com este figura são mais explícitas as deficiências de enquadramento, uma vez que, este fato compromete a premissa do projeto em manter os seus protagonistas bem à vontade. Os planos muito fechados, claustrofóbicos (mesmo que em tomadas fora da casa de Jaime) se tornaram invasivos. A câmera transmite a sensação de buscar algo por baixo da vestimenta de Jaime, os closes, supercloses e planos -detalhe no rosto do personagem aparentam querer desmascará-lo, pode-se ver com clareza detalhes de seu rosto em meio ao capacete de sucatas.
Apesar destes aspectos contraditórios, há, com certeza, aspectos positivos que atendem à proposta inicial do vídeo: a cena em que Fygura troca palavras com o amigo comerciante no Pelourinho de forma habitual, e o registro da opinião do personagem sobre a sociedade, as pessoas, o que pensam a seu respeito e como ele se posiciona diante de tudo isso - são méritos do diretor.
Antes da exibição do terceiro vídeo, Daniel Lisboa faz uma ressalva com o propósito de esclarecer que a intenção do vídeo seguinte não é gozar da patologia do figura Lázaro.A minha impressão é de que isso realmente não ocorre, pelo menos não há tanta diferença dele para os demais. É fato que estes três figuras são passíveis de certa patologia/insanidade e que o risco de se cair num processo de espetacularização dos personagens é quase que absoluto. O trunfo dos vídeos é que não se perdem por este caminho.
Lázaro é figura carimbada nas noites de Salvador pelo fato de, inexplicavelmente, estar presente em todas as festas da cidade gritando incessantemente a célebre frase “Toca Raul”. Fã incondicional de Raul Seixas, sua filmagem não poderia (ou poderia) ser em outro lugar que não fosse o cemitério no qual Raul foi sepultado, mais especificamente ao redor de seu túmulo, no dia de aniversário de sua morte - é comum encontros de fanáticos pelo “Raulzito” nesta data. Além disso, o lugar aberto e tranqüilo possibilitou melhores condições de filmagem à equipe.
Durante a gravação Lázaro fala pouco, pula muito, dança e canta com os demais fãs de Raul – são pontos altos do programa. Também foram utilizados inserts de imagens reais do cantor, enriquecendo o vídeo (para o bem da produção audiovisual independente não entraremos em discussão a respeito do direito de imagens). Ainda assim, o diretor parecia insatisfeito com o material que possuía e com o que Lázaro podia contribuir naquele momento, e, procurando uma emoção a mais para o vídeo do figura, o perseguiu enquanto este se reservava para necessidades fisiológicas, numa cena bastante desproposital em que a imagem soou um tanto apelativa.
Daniel Lisboa admite que o projeto seja uma espécie de laboratório e que muita coisa pode e deve ser alterada, como por exemplo, o formato dos vídeos - já que existe um padrão de 15 minutos de duração por programa.
Mais outros quatro personagens já foram filmados e o projeto não parou por aí, o catálogo de figuras de Salvador é extenso, todo mundo conhece um figuraça nessa cidade. Cada vídeo possui o formato padrão dividido em dois blocos de 7 min e meio para ser exibido na TV Salvador, através da rede FTC. Importante registrar que o projeto Figuraças foi inicialmente pensado para a TV e por isso contém elementos tipicamente televisivos que o afastam de uma linguagem documental, na qual se exigem pesquisa, tempo, dedicação e envolvimento com os personagens.
Os planos futuros são de que alguns figuraças se tornem documentários, inclusive Daniel Lisboa já declarou interesse em realizar um documentário exclusivamente sobre o Jaime Fygura. Entretanto, como muitos artistas independentes, Daniel encontra dificuldades em conseguir material para filmagem, locais para exibições, produtores e patrocínios.
Atualmente, o projeto Figuraça transita no youtube junto com outros trabalhos do diretor, vale a pena conferir!




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