Projeto Figuraça


AS FIGURAS DO LISBOA
por Fernanda Félix Carvalho Martins


Daniel Lisboa (27 anos, graduado em cinema e vídeo pela FTC, autor de “O fim do homem cordial” , curta que conquistou prêmios de importância nacional) está com uma nova produção: o projeto Figuraças, que já recebeu dois prêmios (XIII Gramado Cine Vídeo e VIII Fórum Brasileiro de Televisão). A idéia é construir um catálogo audiovisual de figuras emblemáticas de Salvador (Lázaro, Seu Marinho, Jayme Figura, Telepata, Pimentinha...) através de uma série de programas a fim de conhecer um pouco sobre os hábitos, gostos e opiniões destas “celebridades”.
O roteiro “dança conforme a música” e Daniel corre atrás dos contatos dos figuras que definem, não somente o local da entrevista, como também o conteúdo desta. Segundo Daniel, as gravações têm a preocupação em deixar os figuras bem a vontade, na intenção de conduzir estes vídeos de forma mais natural e espontânea possível.
Pelo menos foi assim com o Senhor Marinho (o famoso senhor que se comporta como guarda de trânsito nas ruas do centro de Salvador, apitando para os motoristas, parando o trânsito para travessia de pedestres e ainda multando os infratores), o melhor dentre os três vídeos exibidos durante um encontro no auditório do Campus Lapa da UCSal, produzido pelo grupo de pesquisa da instituição: GRACC. Salvo alguns enquadramentos duvidosos (perdoados pelas circunstâncias em que foram feitas as gravações) o vídeo ficou excelente. De início, a resistência do figura e a persuasão da equipe de filmagem geraram um clima bem humorado e espirituoso. Aos poucos Sr. Marinho foi aceitando a idéia de ser filmado e passou a dialogar com a câmera como se dialogasse com alguém (neste caso o diretor) e, conseqüentemente, com nós mesmos espectadores (graças a câmera subjetiva adotada durante toda a gravação).
O mesmo não aconteceu com o Jaime Fygura, artista plástico conhecido como “o homem pinaúna”, entre outros apelidos, não havendo relatos que alguém tenha visto seu rosto. Coberto de sucatas da cabeça aos pés, ele perambula pelo Centro de Salvador causando grande repercussão. Na filmagem com este figura são mais explícitas as deficiências de enquadramento, uma vez que, este fato compromete a premissa do projeto em manter os seus protagonistas bem à vontade. Os planos muito fechados, claustrofóbicos (mesmo que em tomadas fora da casa de Jaime) se tornaram invasivos. A câmera transmite a sensação de buscar algo por baixo da vestimenta de Jaime, os closes, supercloses e planos -detalhe no rosto do personagem aparentam querer desmascará-lo, pode-se ver com clareza detalhes de seu rosto em meio ao capacete de sucatas.
Apesar destes aspectos contraditórios, há, com certeza, aspectos positivos que atendem à proposta inicial do vídeo: a cena em que Fygura troca palavras com o amigo comerciante no Pelourinho de forma habitual, e o registro da opinião do personagem sobre a sociedade, as pessoas, o que pensam a seu respeito e como ele se posiciona diante de tudo isso - são méritos do diretor.
Antes da exibição do terceiro vídeo, Daniel Lisboa faz uma ressalva com o propósito de esclarecer que a intenção do vídeo seguinte não é gozar da patologia do figura Lázaro.A minha impressão é de que isso realmente não ocorre, pelo menos não há tanta diferença dele para os demais. É fato que estes três figuras são passíveis de certa patologia/insanidade e que o risco de se cair num processo de espetacularização dos personagens é quase que absoluto. O trunfo dos vídeos é que não se perdem por este caminho.
Lázaro é figura carimbada nas noites de Salvador pelo fato de, inexplicavelmente, estar presente em todas as festas da cidade gritando incessantemente a célebre frase “Toca Raul”. Fã incondicional de Raul Seixas, sua filmagem não poderia (ou poderia) ser em outro lugar que não fosse o cemitério no qual Raul foi sepultado, mais especificamente ao redor de seu túmulo, no dia de aniversário de sua morte - é comum encontros de fanáticos pelo “Raulzito” nesta data. Além disso, o lugar aberto e tranqüilo possibilitou melhores condições de filmagem à equipe.
Durante a gravação Lázaro fala pouco, pula muito, dança e canta com os demais fãs de Raul – são pontos altos do programa. Também foram utilizados inserts de imagens reais do cantor, enriquecendo o vídeo (para o bem da produção audiovisual independente não entraremos em discussão a respeito do direito de imagens). Ainda assim, o diretor parecia insatisfeito com o material que possuía e com o que Lázaro podia contribuir naquele momento, e, procurando uma emoção a mais para o vídeo do figura, o perseguiu enquanto este se reservava para necessidades fisiológicas, numa cena bastante desproposital em que a imagem soou um tanto apelativa.
Daniel Lisboa admite que o projeto seja uma espécie de laboratório e que muita coisa pode e deve ser alterada, como por exemplo, o formato dos vídeos - já que existe um padrão de 15 minutos de duração por programa.
Mais outros quatro personagens já foram filmados e o projeto não parou por aí, o catálogo de figuras de Salvador é extenso, todo mundo conhece um figuraça nessa cidade. Cada vídeo possui o formato padrão dividido em dois blocos de 7 min e meio para ser exibido na TV Salvador, através da rede FTC. Importante registrar que o projeto Figuraças foi inicialmente pensado para a TV e por isso contém elementos tipicamente televisivos que o afastam de uma linguagem documental, na qual se exigem pesquisa, tempo, dedicação e envolvimento com os personagens.
Os planos futuros são de que alguns figuraças se tornem documentários, inclusive Daniel Lisboa já declarou interesse em realizar um documentário exclusivamente sobre o Jaime Fygura. Entretanto, como muitos artistas independentes, Daniel encontra dificuldades em conseguir material para filmagem, locais para exibições, produtores e patrocínios.
Atualmente, o projeto Figuraça transita no youtube junto com outros trabalhos do diretor, vale a pena conferir!

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