Ótima matéria publicada na Revista Cinética





Conexão Crítica - 1
por Fernando Veríssimo

Os últimos meses têm sido especialmente pródigos em lançamentos de publicações independentes voltadas para o cinema aqui no Brasil: assistimos ao surgimento da revista impressa Paisà, que chega agora ao segundo número avançando na proposta de atender ao leitor cujo perfil se define pela busca de mais que apenas informação – um "leitor Arteplex", com o perdão da redução; ou do sítio Cinequanon, que vem perseguindo um formato particularmente interessante, disponibilizando quase sempre uma variada seleção de textos sobre um mesmo filme em cartaz – uma postura editorial louvável. Aliadas à explosão de olhares e vozes que surgem dia após dia na blogosfera, poder-se-ia dizer que estas publicações trazem consigo o germe de uma disputa saudável sobre os caminhos da crítica de cinema no país.

O surgimento destes novos espaços cumpre, a rigor, uma dupla função. Ao arejar o debate, muitas vezes estéril porque encurralado entre vícios editoriais seculares, amplamente difundidos no exercício da mídia oficial, e discussões complexas, engajadas no mais das vezes na disputa entre diferentes e irreconciliáveis hábitos de cinefilia, estes novos espaços vêm para questionar, através de sua própria existência, e para sedimentar, com a variedade de vozes, o papel da crítica cinematográfica – cada um a seu modo particular. Com isso ganham todos, especialmente as publicações pioneiras, já tradicionais (Contracampo, Cine Imperfeito, Críticos.com, etc.), que passam a contar com uma ampla caixa de ressonância a que dirigir seus esforços.

Falando em novas publicações, a Fipresci passa a partir deste mês a abrigar em seu sítio a revista Undercurrent, editada por Chris Fujiwara. A primeira edição apresenta uma sólida seleção de textos, com destaque para análises de fôlego dos últimos trabalhos de Tsai Ming-liang, Philippe Garrel e Cameron Crowe, um apanhado de artigos curtos sobre curtas, e uma entrevista seminal com Leslie Shatz, o responsável pela criação sonora dos últimos filmes de Gus Van Sant. Além de uma homenagem a Barthélemy Amengual, a revista oferece um espaço privilegiado, como era de se esperar, à própria crítica como tema: ela é objeto de uma mesa redonda realizada no Festival de Brisbane em 2005, cujos participantes incluem o gigante Klaus Eder e o essencial Adrian Martin – transcrita na íntegra nesta edição de estréia da Undercurrent.

Também leitura essencial sobre crítica é a entrevista de David Bordwell a Chuck Stephens, publicada na revista canadense Cinema Scope. Bordwell é figurinha fácil em cursos de cinema, graças a duas ou três obras de referência no campo teórico, e sua trajetória crítica – à margem da academia – é absolutamente fascinante. Esta entrevista é reveladora de sua paixão pelo exercício da crítica – que ademais pode ser conferida em seu sítio pessoal.

Mas como crítica, naturalmente, não se faz só de palavras, mas principalmente de filmes, vale apontar uma última e ligeira nota para o Bafici – Festival Internacional del Cine Independiente de Buenos Aires –, às vésperas do encerramento no momento em que escrevo. Boas coberturas do evento podem ser encontradas no sítio da El Amante (traz textos diários) e no blogue do norte-americano Dave Kehr. O elenco desta edição é estelar: filmes de Shirley Clarke, Tod Browning, John Carpenter, Jean Claude Biette, Abbas Kiarostami (uma esplêndida seleção de curtas), Frederik Wiseman, Shirley Clarke, Jonas Mekas, Jan Svankmajer, Jim McBride, Peter Watkins (uma retrospectiva notável); para não falar em pérolas como The Last Movie, de Dennis Hopper, ou We Can't Go Home Again, de Nicholas Ray.

É um tanto triste constatar que da temporada de caça ao melhor que o cinema mundial tem a oferecer atualmente, que se abre no mês que vem em Cannes e se encerra no próximo Bafici, nos chegam algumas migalhas – e isso menos por trabalho criterioso de curadoria que por puro acaso. Vale a pena dar uma boa olhada na programação do Bafici, e descobrir que nomes como Kyoshi Kurosawa, Hou Hsiao-hsien, Naomi Kawase ou Hong Sang-soo não aparecem ali como pérolas escondidas em uma programação pasteurizada.

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