Entrevista com Daniel Caetano

Daniel Caetano é crítico de cinema, mantém um blog Passarin, foi redator da Contracampo e atualmente é colaborador da Cinética. É também diretor, produtor e roteirista do filme Conceição: autor bom é autor morto e organizador do excelente livro Cinema Brasileiro: ensaios sobre uma década (1995-2005) e do recente Serras da desordem, ambos da Azougue editorial. Logo abaixo, a entrevista concedida ao GRACC.





Fale um pouco sobre seu percurso até chegar à crítica de cinema.

Comecei a escrever ainda bastante novo, em jornais escolares, mas só
passei a fazer isso a sério quando já estava prestes a me formar na
UFF. Quando entrei na universidade não planejava seguir carreira como
crítico, mas fui convidado a escrever um texto para a Contracampo,
depois me chamaram para fazer parte da redação do site e acabei me
envolvendo cada vez mais com a questão. Mas meu envolvimento
profissional com cinema começou antes de meu envolvimento profissional
com a crítica: embora os filmes só tenham ficado prontos anos depois,
eu já havia participado de filmes antes de escrever para a
Contracampo, então sempre mantive os pés tanto na parte de realização
quanto de crítica.


O que você pensa sobre a classificação ortodoxa das estrelinhas
presente em quase toda a imprensa cinematográfica brasileira?

Não vejo problema algum nisso. Vejo problemas em confundir isso com
crítica, o que não é. As estrelinhas servem como guia de consumo - têm
o mesmo valor de se perguntar a um colega bem-informado se ele gostou
de um disco ou um filme. Crítica é reflexão, é algo que se faz a
partir do filme, então não é possível estabelecer diálogo com o texto
sobre o filme antes de vê-lo. Mas não acho errado que existam guias de
consumo, o problema é quando se pretende resumir "crítica" a apenas
isso.


Muito se questiona sobre a verdadeira função da crítica
cinematográfica, se para esta é reservado o papel de avaliar,
informar, entreter, ou ainda enquadrar-se enquanto arte. Para você,
qual seria a função predominante da crítica na atualidade?

Não sei qual seria a função. Não sei nem mesmo se tem uma função
principal. Acho que o texto crítico é uma reação - é a maneira de
alguém (o crítico) refletir sobre o que viu e, a partir das suas
impressões, dar material para que os seus leitores pensem no que disse
e criem suas próprias perspectivas. Mas a crítica de que mais gosto
inclui uma certa dose de criatividade: acho chatíssimo quando leio um
texto que parece ser o release de divulgação do filme (ou, no caso
oposto, quando parece ser um chilique impertinente). O que mede o
valor da crítica é a capacidade de provocar inquietação de suas idéias
- mas como se mede isso? Não sei.


Recentemente Daniel Filho declarou: "A crítica aplaude esses
filmes meio malditos, que têm pouco público. É uma dicotomia entre o
que a crítica pensa e o que o público quer ver". Você acha que hoje
existe um “divórcio” entre a crítica e o público no Brasil?

Não, não acredito, simplesmente porque não vejo nem "a crítica" nem "o
público" como entidades monolíticas, tal como esse pensamento do
Daniel Filho sugere. Entre "o público", é possível encontrar pessoas
que dizem o mesmo que ele diz serem próprias de "críticos", e
vice-versa. O caso é que pessoas têm gostos diferentes e também têm
muita dificuldade de lidar com isso. Para mim, é natural que uma
pessoa tenha um ponto-de-vista inteiramente diferente do meu acerca de
um filme. Mas há pessoas que almejam a unanimidade absoluta e ficam
indignadas diante de qualquer pessoa que discorde do que elas acham.
Eu acho isso de uma mediocridade lamentável.
Por isso, eu diria que as coisas são de outra maneira: todas as
pessoas têm, entre si, casos de "divórcios" de opinião. Duas pessoas
que concordam em tudo certamente serão um casal muito chato e
repetitivo. Dessa maneira, é natural que o que um crítico escreve
venha a desagradar muitos dos seus leitores, mas outros tantos irão
concordar. Faz parte do jogo.


O jornalista Daniel Piza (Jornalismo Cultural, ed. Contexto, 2004)
afirmou que a relação da crítica de cinema com a produção nacional
passou, desde 1994, por um certo paternalismo e “confundiu-se a
satisfação por ver sua retomada com mérito verdadeiro de cada um dos
filmes”. Qual a sua opinião sobre o relacionamento entre a crítica e o
cinema da retomada?

Concordo em grande parte com o que disse o Piza. Acredito que houve
sim uma certa complacência, que pode ser compreendida se notarmos que
em outros casos (sobretudo nos anos anteriores, mas mesmo até hoje)
existiu uma má-vontade agressiva diante dos filmes feitos.
Como disse, não acho que "a crítica" seja monolítica. Até hoje existem
os complacentes, assim como existem os preconceituosos que detestam
tudo antes de ver e também existem os covardes, que têm medo de se
posicionar antes dos demais.
É com relação a esses últimos que tenho mais questionamentos. Me
parece que tanto a complacência quanto o preconceito são
anti-críticos, já que estabelecem pré-julgamentos (favoráveis no
primeiro caso, desfavoráveis no segundo) - mas o silêncio covarde é
ainda mais ameaçador, porque ele simplesmente não pode ser contestado
(não se contesta um silêncio, não há o que contestar) e só serve para
ajudar a estabelecer falsas unanimidades. A tarefa do crítico é ser
honesto consigo mesmo na sua capacidade de ver o filme, e disso não se
pode abrir mão.


Em Junho de 2001, a professora Ivana Bentes publicou no Jornal do
Brasil o artigo “Da estética à cosmética da fome”, iniciando uma
polêmica que até hoje é tema de debate em universidades e fóruns. O
artigo acusa o cinema brasileiro de se valer da miséria e da violência
para entreter e atrair o público às telas. Qual a sua opinião sobre
este embate que envolve principalmente o filme “Cidade de Deus”?


Acredito que esse debate é um pouco redutor, ao tratar de forma
extremamente negativa (como mero entretenimento, como se isso fosse um
defeito em si) a capacidade de sedução e fascínio de um filme.
Não acredito que existam regras morais intocáveis e absolutas - cada
filme terá seu próprio registro, suas próprias questões, então me
parece melhor discutir essas questões circunstancialmente, filme a
filme, do que tentar falar de generalidades.
Especificamente acerca do filme Cidade de Deus, me parece que ele [Fernando Meirelles] faz uma série de procedimentos questionáveis para obter personagens que se enquadram nos registros do cinema de gênero. Isso me incomoda, mas não
nego que, ao mesmo tempo, é uma estratégia que dá força ao filme.
Vale notar que a própria Ivana já revisou essa tese dela, observando
que Cidade de Deus se enquadra menos nessa crítica do que filmes como,
por exemplo, Central do Brasil e Guerra de Canudos.


O que você pensa sobre a descentralização dos espaços da crítica
de cinema que hoje migrou, sobretudo, para a internet?

Acredito que é algo extremamente benéfico. Não apenas por criar novos
espaços em que críticos iniciantes podem trabalhar e em que críticos
já experientes podem ter o espaço que precisarem - além disso, a
internet ampliou imensamente o universo de leitores. Hoje em dia,
ninguém mais precisa assinar o jornal X para ler os textos de algum
fulano, assim como ninguém mais é obrigado a ter como leitura somente
os textos superficiais de algum beltrano que escreva no jornal de sua
cidade.


Para finalizar, você prefere "pensar" o cinema ou "fazer" cinema?

Acho que as duas coisas vêm de uma embolada só, pelo menos para mim.
Uma vez que gosto de "curtir cinema", sempre me pareceu natural querer
"pensar" e "fazer".
A vantagem de "pensar" é que não custa dinheiro e não envolve o
esforço de outras pessoas. Nesse sentido, é uma atividade mais
constante, menos sujeita a idas e vindas.
Mas, por outro lado e pelo mesmo motivo, é um momento especialmente
feliz quando temos pronto um filme, um trabalho "feito" durante
bastante tempo por uma série de pessoas. Escrever um texto que parece
bom dá alegria, certamente, mas não se compara a ter um filme pronto.

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