Navegando pelo You Tube vi este vídeo/entrevista. Achei pertinente o crítico falar sobre as diferenças entre a crítica jornalística e a chamada crítica universitária. Vejam aí:
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A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
No 33º Festival de Cinema Iberoamericano de Huelva, 17 a 24 de novembro de 2007, um Encontro de Crítica de Cinema promovido em cooperação com a Universidade Internacional de Andalucía. Com cordenação de Javier Tolentino e com a participação de Roberto Cueto, Blanca Vázquez, Carlos Tejeda, José Manuel Serrano Cueto e de estudantes dos cursos de pós-graduação da UNIA, o encontro discutiu a função e a prática da crítica em jornais e revistas e o aparecimento de novos espaços e instrumentos críticos na internet.
Na abertura, a exibição do documentário de Maria de Medeiros, Je t’ aime moi non plus (2004) e em seguida, três dias de discussão sobre o entendimento|desentendimento entre críticos, realizadores e espectadores. O texto a seguir, escrito para esta série de mesas-redondas, propõe três hipóteses para continuar a pensar a crítica na direção apontada por uma nota feita na década de 1980 – A arte da crítica e a crítica da arte. ]
Primeira hipótese:
Talvez, como conceito e atividade regular a crítica de cinema tenha se estabelecido em jornais e em revistas dedicadas às artes e ao cinema entre a metade da década de 1940 e a metade da década de 1950.
Textos sobre cinema existem desde muito antes. Dois dias depois da primeira sessão pública de cinema em Paris, 28 de dezembro de 1895, jornais franceses já comentavam com entusiasmo o aparecimento do cinematógrafo: “impossível saber se somos espectadores ou se fazemos parte destas cenas de impressionante realismo”. E as apresentações dos caçadores de imagens dos Lumière mundo afora provocaram reações semelhantes. Seis meses mais tarde os jornais do Rio de Janeiro comentavam que no cinema encontrávamos os “mais sublimes espetáculos da natureza reproduzidos em forma fiel, com toda a perfeição e nitidez” e os da cidade do México diziam que no cinema “se encuentra uno por frente de un fragmento de vida, clara y sincera, sin pose, sin fingimientos, sin artificios”.
Logo surgiram também livretos (Une nouvelle source de l’Histoire, de Boleslas Matuszewski, Paris, 1898), programas, jornais e revistas dedicadas à discussão de filmes – para lembrar apenas exemplos brasileiros: O Animatographo, 1898, no Rio; Artes e artistas, 1920, em Salvador; A Scena Muda, 1921; Cinearte, 1926, e O Fan, 1928, todos no Rio. Antes de completar vinte anos de existência o cinema já contava com alguns esboços de teoria (entre eles: The Photoplay, A Psychological Study de Hugo Münsterberg, 1916), os jornais começavam a publicar regularmente crônicas de cinema e surgiam cineclubes dedicados a debater o cinema como uma forma de arte (entre eles: o Club des Amis du Septième Art, de Ricciotto Canudo, em Paris, em 1920, e o Filmliga de Joris Ivens, em Amsterdam, em 1927). (C0NTINUA)
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES (2)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Portanto, crítica de cinema, com maior ou menor grau de elaboração, análises dos processos de produção e narração ou simples expressão de encanto (ou desencanto) por um filme, ator ou atriz, existe desde pouco depois da invenção do Cinématographe.
E muito provavelmente a prática da crítica de cinema surgiu tal como em algum lugar do passado deve ter nascido a crítica de literatura (de música, de teatro, de pintura, a crítica de arte enfim): um dia alguém decidiu escrever sobre ficção em vez escrever ficção; produzir literatura do ponto de vista do leitor de literatura; depois, escrever sobre os textos de análises de textos: sobre pontos comuns nos modos de articular textos de ficção e simultaneamente sobre os modos de pensar a experiência de ler textos de ficção. Leitura ativa, parte do processo gerado pela obra para fazer do leitor|espectador um participante ainda mais empenhado no que toda obra de arte solicita do espectador|leitor: sua constante reinvenção por meio de um gesto criador como o que impulsionou a feitura da obra.
A crítica de cinema percorreu este trajeto comum às críticas de artes para se constituir rápida e intensamente, em apenas cinqüenta anos, movida por duas questões (talvez) novas, sentidas pela primeira vez no mundo da artes. A primeira: a sensação de que no cinema a ficção se mostra como a própria vida: a sensação de que o filme não parece uma construção, uma narração mas a própria realidade “clara y sincera, sin pose, sin fingimientos, sin artificios”. A segunda e talvez ainda mais nova questão: os primeiros textos críticos viveram a simultânea invenção de uma linguagem artística e de uma linguagem crítica para discutir esta linguagem artística.
Continuemos a considerar como uma possibilidade, uma hipótese, uma tal afirmação: as outras artes já existiam (com uma identidade constituída, identidade todo o tempo em movimento, em transformação, mas um movimento dotado de uma coerência interna) as outras artes já existiam antes da primeira crítica surgir. Mas o cinema, a rigor, era ainda um rascunho quando se fez a primeira crítica (a rigor, o primeiro rascunho de crítica). Não tinham ainda acabado de inventar o cinema. Não se sabia muito bem o que ele era (este “não saber” era e continua a ser o que lhe dá uma força especial, uma identidade). A linguagem cinematográfica surgiu, portanto, de uma conversa absolutamente indisciplinada entre os filmes e os diferentes textos produzidos sobre filmes, resenhas, crônicas, críticas, ensaios e mesmo comentários puramente promocionais – uma coisa e outra igualmente pressionada pelo mecanismo industrial de produção e comercialização de filmes e de jornais.
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES (3)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Por isso talvez seja possível dizer que, embora textos sobre cinema tenham surgido logo com os primeiros filmes e sua publicação regular em revistas e jornais diários, na Europa como aqui, se faça desde o começo da década de 1920, crítica de cinema enquanto produção com um corpo de idéias próprio e como atividade regular, constituiu-se muito provavelmente a partir da metade da década de 1940. Existia uma base prática: o muito que se publicara até então sobre o que era o específico do cinema, o que o identificava como arte igual às demais, sobre o que cada novo filme parecia acrescentar à técnica narrativa do cinema. E, principalmente, existia uma sólida base estética e teórica: O sentido do filme, que teve sua primeira edição em 1942, e A forma do filme, editado em 1948. E antes destas coletâneas de textos escritos por Eisenstein entre 1928 e 1943 foram editados trabalhos de Jean Epstein (Bonjour Cinéma, 1921), Béla Balázs (Der sichtbare Mensch, oder die Kultur des Films, 1924), Lev Kuleshov (Iskusstvo Kino, 1929), Rudolf Arnheim (Film as Kunst, 1932) e as duas coletâneas de ensaios de Vsevolod Pudovkin (Film Technique,1933, e Film Acting, 1934) editadas em Londres. E ainda em Londres, quase ao mesmo tempo em que surgiram os livros de Eisenstein, os ensaios que John Grierson escreveu entre 1929 e 1945 foram reunidos em Grierson on Documentary (1946).
Proposta uma teoria, uma estética, a crítica passou a ser possível não só como resultado do direto enfrentamento de cada filme, mas também, e ao mesmo tempo, como fruto de uma mediação de modelos teóricos e estéticos criados a partir dos filmes, ou em torno deles, ou como antecipação deles, para melhor fruição deles.
Foi este quadro que estimulou Guido Aristarco a produzir sua Storia delle Teoriche del Film (1951), onde discute os trabalhos citados acima e também as contribuições de Ricciotto Canudo, Louis Delluc, Germaine Dulac, Hans Richter, Leon Moussinac, Paul Rotha, Roger Spotiswood, Umberto Barbaro e Luigi Chiarini. Ele abre sua história das teorias de cinema com a explicação de que o livro nasceu “de uma exigência histórica”, da necessidade de reexaminar a investigação crítica cinematográfica para, como sublinha na conclusão do livro, “propor uma revisão do método crítico ”.
Aristarco encontrava então em Ivan, o terrível de Sergei Eisenstein (Ivan Grozny, 1945), em Mitchurin de Alexander Dovjenko (Mitchurin, 1948) e em La terra trema de Luchino Visconti (1945), filmes que exigiam “uma revisão dos critérios de análise da crítica”. Eisenstein, Dovjenko e Visconti, “em que a verdade identifica-se com a invenção poética que aqui tem uma carga explosiva, uma força e uma originalidade revolucionárias”, só podiam ser adequadamente analisados com uma renovação dos instrumentos da crítica. E tal renovação se revelava urgente com o aparecimento do primeiro filme de Michelangelo Antonioni – Crimes d’alma (Cronaca di un amore, 1950) – “a abertura de um novo caminho para o cinema, o de um realismo mais psicológico do que épico, mais profundo do que esquematicamente ideológico, voltado sobretudo para o exame interior das personagens”. A crítica, para Aristarco “isolada, confinada a si própria, num campo de fronteiras rigorosamente delimitadas”, encontrava dificuldades “perante filmes novos na estrutura e no conteúdo, sobretudo os filmes posteriores à Segunda Guerra Mundial”. Esta impossibilidade de “encontrar na sua bagagem de conhecimentos a linguagem necessária para a investigação, tornava urgente uma revisão dos critérios de análise adotados por uma certa crítica e historiografia cinematográfica”.
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES (4)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Era necessário ir além das algo ingênuas afirmações de que um determinado filme contava com “seqüências cinematograficamente belas, magistrais, sugestivas, e assim por diante, enumerando adjetivos” para dialogar com as formas narrativas criadas nos últimos anos do cinema mudo, renovadas com o filme sonoro e que acabara de ganhar novo impulso com o Neo-realismo italiano e com o primeiro Antonioni, diz Aristarco. Os filmes convidavam a crítica a pensar diferentes modos de pensar os filmes.
Entre nós amplia-se o espaço crítico nos jornais diários
[em especial no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, onde, a certa altura, P. F. Gastal critica “a atitude dos que condenavam filmes como Paisà baseados no aspecto formal, apontando erros e deficiências” e destaca as propostas neo-realistas como “um marco no processo de formação e evolução artística ao sacudir a pasmaceira do cinema mundial, chamando seus responsáveis para um retorno ao real, ao simples, ao nada mais do que uma sucessão de fatos corriqueiros, o cotidiano transplantado para o celulóide, o drama do homem comum”.]
e pouco depois da revista Filme, criada em 1949 no Rio de Janeiro por Alex Viany e Vinicius de Moraes, a Revista de Cinema, em Belo Horizonte, propõe um debate sobre a crítica que se estende de seu primeiro número, abril de 1954, ao décimo, janeiro de 1955.
[“Uma reflexão que se poderia chamar de ontológica, sobre a natureza do ser e do existir da crítica de cinema. Esta reflexão levou o título genérico de Revisão do método crítico. Ela partia do fato de que o cinema, ao lado de diversão pública, é também uma forma de expressão artística. Como é que um crítico critica um filme? Era um debate novo, inédito. Eu estava preocupado com esse tema, porque estava querendo saber o que é certo e o que é errado no cinema. Por que um filme é bom ou ruim? Essas eram as perguntas que me faziam os leitores (...) o que era certo para o cinema? A tradição do cinema americano ou a inovação do cinema italiano? (...) o embasamento da Revista se fundava mais na informação italiana do que na francesa. A teoria italiana, tal como a líamos em revistas como Bianco e Nero, Cinema Nuovo, Cinema. Era baseada em Gramsci, Croce...” – lembra Cyro Siqueira no livro de Mauro Alves Coutinho e Paulo Augusto Gomes: Presença do CEC, 50 anos de cinema em Belo Horizonte, Editora Crisálida, Belo Horizonte, 2001.]
A CRÍTICA DE CINEMA:TRÊS HIPÓTESES (5)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Foi neste momento que, na Europa, enquanto se consolidavam revistas editadas por instituições oficiais (Sight and Sound, criada em 1932 pelo British Film Institute, e Bianco e Nero, criada em 1937 pelo Centro Sperimentale de Cinematografia), começaram a aparecer publicações críticas independentes – não mais revistas de cinéfilos ou boletins de cineclubes, mas revistas críticas (entre elas as francesas Cahiers du Cinéma, 1951, e Positif, 1952, a italiana Cinema Nuovo, 1952, e a alemã Filmkritik, 1957). O cinema como um todo exigia ou pelo menos estimulava o exercício da crítica para com ela e também nela, embora não sem conflitos com ela, continuar a inventar-se, pensar e assentar o que descobria de modo intuitivo. Ou mesmo para antecipar-se à descoberta, para preparar a descoberta.
[Por isso mesmo Walter da Silveira podia afirmar – na Primeira Convenção Nacional da Crítica de Cinema – que o mal da crítica brasileira era “limitar-se a olhar o cinema brasileiro no que ele é ao invés de traçar-lhe diretrizes para estipular o que deve ser (...) a crítica deve assumir o papel vanguardista de reveladora dos fundamentos estéticos do cinema brasileiro, antecipando-se aos realizadores em lugar de segui-los”. ]
Escrever sobre cinema já não se resumia a louvar ou condenar um filme. Transformava-se num convite a dialogar com diferentes e contraditórias formas narrativas que não necessariamente se dirigiam a um espectador, a um gosto comum, àquele integrante de uma massa de consumidores que em parte jamais existiu, foi uma idealização do sistema de produção, e em parte sim, existiu, como resultado de um intenso trabalho promocional de padronização do gosto. A experiência do cinema já com cinqüenta anos, filmes e textos passavam a se dirigir mais declaradamente a pessoas de sensibilidades diversas e conflitantes, embora unidas por um interesse especial pelo cinema – movidas mais do que por um interesse, por uma paixão (à primeira vista) pelo cinema: a cinefilia. Não apenas a crítica, também os mecanismos de produção e promoção como um todo, mas principalmente a crítica criou o cinéfilo. Ou talvez o contrário. Ou talvez não seja possível determinar com certeza. Ou a crítica é uma invenção da cinefilia ou esta é uma invenção da crítica. Uma boa parte dos profissionais da crítica de cinema em jornais sempre foram mais cinéfilos que críticos – apaixonados por filmes e num ponto igualmente distante do realizador, do espectador comum e de um instrumental, digamos teórico e estético, para a compreensão do cinema e de sua atividade. O certo é que no cinéfilo a crítica encontrou seu interlocutor primeiro, um leitor|espectador que provavelmente não existiria sem ela, sem a conversa feita para prolongar o prazer da projeção.
A revisão dos critérios de análise de filmes, que de acordo com Aristarco começou entre Eisenstein, Dovjenko, o Neo-realismo e Antonioni, iria prosseguir adiante, na década de 1960, e de modo mais radical, com o aparecimento de Cassavettes, Rouch, Godard, Resnais, Jancsó e Glauber, entre outros. Novamente, e mais intensamente, voltava-se a fazer cinema tanto em filmes quanto em textos críticos ou ainda em uma discussão|intervenção de cinéfilos. O filme, o diretor, o espectador e o crítico mantinham uma conversa direta e de igual para igual – os textos de Truffaut e Godard no Cahiers du Cinéma, os de Glauber nos jornais e revistas da Bahia e do Rio, como os de vários outros cineastas que passaram do cineclube à crítica e dela à realização, são bons exemplos.
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES (6)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Segunda hipótese:
Na América Latina na década de 1960, em particular no Brasil mas não só, a crítica viveu um instante especialmente intenso de participação ativa na invenção cinematográfica – em grande parte porque muitos realizadores produziram também, um pouco antes de realizarem seus filmes ou simultaneamente à realização de seus filmes, textos críticos e teóricos. Fernando Birri (Brevísima teoría del documental social en Latinoamérica, 1962), Glauber Rocha (Estética da fome, 1965, e Estética do sonho, 1971), David Neves (Poética do Cinema Novo, 1965) Fernando Solanas e Octavio Getino (Hacia un tercer cine, 1969), Julio García Espinosa (Por un cine imperfecto, 1970), Jorge Sanjinés (Teoría y práctica de un cine junto al pueblo, 1979) e Tomás Gutiérrez Alea (Dialéctica del espectador, 1982) são exemplos bem conhecidos de autores que fizeram cinema tanto em filmes quanto em textos críticos. A revista peruana Hablemos de Cine, a venezuelana Cine al día e a cubana Cine Cubano são talvez os exemplos mais evidentes de um sem número de periódicos de crítica de cinema que circularam na América Latina entre 1960 e 1980 com maior ou menor regularidade: revistas vendidas em livrarias, cadernos distribuídos em universidades ou editados em festivais de cinema, publicações impressas, ou mimeografados, ou feitas em xerox, quando necessário escapar à censura econômica ou política.
Um instante de relação intensa – mas convém repetir não isenta de conflitos; certamente não isenta dos conflitos internos de uma prática que se equilibra ou se divide entre a nota informativa superficial e a tentativa de ensaio. O fato é que às vezes só para se pronunciar a favor ou contra a invenção, às vezes para se integrar à invenção, a crítica neste período (feita ou não pelos profissionais que escreviam nos jornais e revistas) integrou-se ao cinema, passou efetivamente a fazer parte dele, na América Latina como na Europa: diante dos jovens cinemas da Alemanha, da Hungria, da Tcheco-eslováquia, da França, e da Argentina, Brasil e Cuba – os críticos italianos Lino Miccichè e Bruno Torri criaram a Mostra Internazionale del Nuovo Cinema di Pesaro para exibir os novos cinemas, promover seminários e editar textos críticos em seus Quaderni di documentazione.
No primeiro seminário, La critica e il nuovo cinema, em 1965, ao coordenar uma mesa com Umberto Eco, Roland Barthes, Christian Metz e Galvano della Volpe, Pier Paolo Pasolini apresentou seu Cinema de poesia (“enquanto as linguagens literárias apóiam as suas invenções poéticas sobre uma base já estabelecida de linguagem instrumental, propriedade comum a todos os falantes, as linguagens cinematográficas parecem não se apoiar em nada: o cinema é funda- mentalmente onírico se expressa por uma narrativa livre indireta”). O segundo, em 1966, teve como tema Per una nuova coscienza critica del linguaggio cinematografico. O terceiro, 1967, discutiu cinema e política, Linguaggio e ideologia nel film. O quarto, 1968, Cinema latinoamericano: cultura come azione foi apresentado por Lino Miccichè como um desafio para a crítica: “antes de criticar os novos cinema latino-americanos, os filmes de Glauber por exemplo, talvez seja necessário inverter nossos sistemas de avaliação do cinema”.
[Pesaro, assim, retomava a questão aberta pouco antes por Terra em transe: “a arte de um país econômica e materialmente sudesenvolvido não é necessariamente subdesenvolvida. É possível que uma linguagem se antecipe a uma realidade. Um poeta, um cientista, um criador, podem se antecipar a uma realidade ainda não manifesta”. Cultura como ação.]
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HÍPÓTESES (7)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
No começo de 'Revisão critica do cinema brasileiro', 1963, Glauber define a crítica e a cultura cinematográfica brasileira daquele momento como “precária e marginal”. A inexistência de “uma revista de importância informativa, crítica ou teórica” e a reduzida bibliografia disponível, Filme e realidade de Alberto Cavalcanti, 1953, Introdução ao cinema brasileiro, de Alex Viany, 1959, e “duas ou três traduções de obras mais famosas”, exigia um esforço desumano para uma auto-formação teórica: “o crítico inicia-se geralmente nas colunas dos jornais estudantis e sobe gradativamente para os suplementos literários de grandes jornais ou páginas especializadas de algumas revistas”. A maioria “se especializa em cinema americano, porque é mais fácil falar destes filmes sem maiores preocupações culturais”. Neste quadro em que “cada critico é uma ilha, não existe pensamento cinematográfico brasileiro”, o aspirante a realizador sofre mais que o critico: “é um suicida que se obriga a deixar os compromissos e sofrer humilhações até, por jogo de azar, dirigir um filme”.
Um primeiro passo para a transformação deste quadro se esboçara alguns anos antes do livro de Glauber, em 1954|1955, com dois gestos simultâneos mas descolados um do outro: no Rio, Nelson Pereira dos Santos realiza Rio, 40 graus; em Belo Horizonte, a Revista de Cinema dá seqüência à proposta de Guido Aristarco e abre um debate sobre a necessidade de uma revisão do método critico. Logo, em 1961, uma breve reflexão de David Neves mistura uma coisa e outra e amplia o debate iniciado pela Revista de Cinema. David propõe uma questão precisa: como criticar uma cinematografia em processo de formação? Bem particularmente: como um crítico brasileiro deveria criticar o cinema brasileiro naquele momento em que os filmes começavam a propor novos temas e novas formas e composição?
Da mesma forma que o Neo-realismo italiano estimulara A revisão do método crítico (série de ensaios de Cyro Siqueira, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva e Fritz Teixeira de Salles, entre outros), da mesma forma, o novo cinema que começávamos a inventar exigia a criação de um novo “um sistema para a crítica de filmes brasileiros”, diz David Neves. Era “inadmissível que os mesmos padrões que se adotam para com a produção estrangeira sejam dirigidos, tal e qual, para uma cinematografia que apenas toma pé. Tal procedimento define uma crítica segundo o verdadeiro sentido da expressão, com cunho pessimista e desencorajador. Quando se fala que a benevolência para com as fitas brasileiras pode indicar ou esconder um fatalismo funesto, não se pensa que a recíproca também se arma de elementos negativos, talvez muito mais perniciosos”. Na nota (inserida no livro Telégrafo visual, critica amável de cinema, Editora 34, São Paulo, 2004) David diz que “a crítica das fitas que nos chegam já de per se contém muito de automatismo e de padronizado. Adotar tal sistema para nossos filmes significa partir de premissas que além de falsas são indefinidas”.
Quase dez anos mais tarde, Octavio Getino e Fernando Solanas radicalizam a questão proposta pela nota de David em Apuntes para un juicio critico descolonizado (escrito durante o Segundo Encuentro de Cineastas Latinoamericanos de Viña del Mar, em outubro de 1969 e publicado na revista Cine del Tercer Mundo nº 2, Montevidéu, novembro de 1970. No começo, uma série de perguntas:
“¿Es posible analizar críticamente un film de un país latinoamericano con la misma óptica con que se aborda un film europeo o estadounidense?
¿Existen categorías, valores y presupuestos para sustentar en términos universales una crítica cinematográfica?
¿Cuáles son las bases para una crítica en los países dependientes?
¿Pueden ser las mismas de los países dominantes?” Los interrogantes podrían multiplicar-se. Estas notas apenas si intentan una aproximación al problema”.
A CRÍTICA DE CINEMA: TRÊS HIPÓTESES (8)
POR JOSÉ CARLOS AVELLAR
Na conclusão, o texto indica que a crítica ainda não havia logrado sua função essencial , “desarrollar un juicio critico para descolonizar el gusto del público”.
“Las ideas que envuelven al hombre neocolonizado no le pertenecen como tampoco le pertenece la tierra que pisa. La tierra le ha sido arrebatada, las ideas le han sido impuestas. Para encarar un juicio serio de esa misma realización al crítico le corresponde necesariamente asumirse también, antes que nada, como un actor más, como un constructor de ese proceso.”
A crítica, portanto, como construtora de um processo que, resumia Glauber (O Cinema Novo e a aventura da criação publicado em 1968 na revista Visão e incluído em Revolução do Cinema Novo), “é tecnicamente imperfeito, dramaticamente dissonante, poeticamente revoltado, sociologicamente impreciso (...) politicamente agressivo e inseguro como as próprias vanguardas políticas brasileiras (...) Novo, aqui, não quer dizer perfeito, pois o conceito de perfeição foi herdado de culturas colonizadoras que fixaram um conceito de perfeição segundo os interesses de um ideal político. Os artistas que trabalhavam para os príncipes faziam uma arte harmônica segundo a qual a terra era plana e todos os que estivessem do outro lado da fronteira eram bárbaros”.
Terceira hipótese:
O quadro histórico que levou a crítica ao espaço que ocupou entre realizadores e espectadores da metade da década de 1940
[do instante em que, entre n ós, por iniciativa de Pedro Lima, em 1945, cria-se no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos, que deixou de existir em 1964]
até quase a metade da década de 1980
[até o instante da criação da Associação Carioca de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, em 1984]
não existe mais. O quadro em a crítica, não um determinado crítico nem um pequeno grupo deles, mas a atividade como um todo, foi chamada a atuar ao lado da produção e da realização para a reinvenção de cinematografias nacionais não existe mais. Talvez não em conseqüência do sinal mais evidente de mudança, a redução ou mesmo o desaparecimento do espaço para a crítica de cinema nos jornais diários, tradicionalmente o principal meio de exposição de textos de análises de filmes. Talvez como resultado de uma redução da questão cinematográfica a seus processos econômicos, o tempo da crítica feita em jornais para o extenso público de cinéfilos era parte integrante do sistema cinematográfico acabou.
O texto sobre um filme num jornal ou revista chegou a ser tão vivo e presente quanto o filme na tela – e não só para o cinéfilo, também para o leitor comum, mesmo nos freqüentes casos de discordância de opiniões: o desacordo entre a crítica, o realizador e o espectador fazia parte do prazer de ver um filme e pensar o cinema.
O importante jamais foi estar de acordo com a opinião de determinado representante da crítica, mas atuar dentro de um espaço crítico, participar diretamente da construção deste espaço para permitir ao cinema existir além dos limites de consumo imposto pelo modelo hegemônico de produção e difusão de filmes. Hoje, o sistema contraditória e simultaneamente muito forte e muito frágil, entre a crescente ampliação (e concentração) de recursos investidos na produção e a redução de público nas salas comerciais, o cinema (não só, também os meios de comunicação, mas fiquemos com o que nos interessa aqui, o cinema) um pouco menos seguros de si, mesmo as estratégias oposição ao sistema dominante parecem se reduzir à questão econômica à invenção de modos de produção capazes de garantir a sobrevivência. Produzir é preciso, criticar não é preciso.
Como observou Lino Miccichè em 1988 no seminário Condition Critical, organizado pela Fipresci em Londres, “a crítica de cinema, desde o começo da década de 1980, vive uma situação única e contraditória em que seu poder cresce e decresce em igual proporção: editam-se mais e mais livros sobre cinema, os críticos dão aulas em universidades, participam de júris e de comissões de festivais de cinema, atuam em grupos de programação de salas de arte, mas a atividade parece desaparecer: os críticos hoje quase não fazem mais crítica de cinema em jornais ou revistas. Mas isso significa que estamos diante de uma mudança, não do desaparecimento da crítica”.