Entrevista com Saymon Nascimento
1 Comentário(s) Publicado por regina gomes em terça-feira, março 04, 2008.GRACC - O que você pensa sobre a classificação ortodoxa das estrelinhas presente em quase toda a imprensa cinematográfica brasileira?
NASCIMENTO - As estrelinhas são apenas apoio para o texto, como uma fotografia, legenda ou linha-fina. Quem tem interesse no filme, lê o texto; quem quer dica de consumo rápida, procura as estrelas, da mesma maneira que um leitor apressado só passa os olhos nas manchetes de um jornal. Nada errado com isso - é só não levar a sério.
GRACC - Muito se questiona sobre a verdadeira função da crítica cinematográfica, se para esta é reservado o papel de avaliar, informar, entreter, ou ainda enquadrar-se enquanto arte. Para você, qual seria a função predominante da crítica na atualidade?
NASCIMENTO - Crítica é informação e avaliação - refletir sobre um filme e contextualizá-lo para o leitor. Para isso, o profissional não deve ser apenas um "achador", mas alguém que tenha repertório para fazer esse tipo de julgamento. Claro, cultura não garante boa avaliação, mas ajuda bastante. O entretenimento deve vir como em qualquer texto de jornal - tem que prender o leitor de maneira elegante.
GRACC – Você acha que hoje existe um "divórcio" entre a crítica e o público no Brasil?
NASCIMENTO - Não digo que existe divórcio, apenas padrões diferentes de avaliação. A boa crítica deve estar familiarizada com filmes mais exigentes, sem perder o olho para grandes pérolas de fácil acesso. O público que vai ao cinema em busca de diversão rápida quer que o filme seja simples, básico - e há grandes filmes feitos desse jeito, como há muita porcaria. Portanto, não acho que há divórcio, mas uma interseção entre o público cinéfilo/crítica e o público, digamos, comum.
NASCIMENTO - Essa impressão de divórcio talvez se justifique pelo número supostamente pequeno de filmes acessíveis que prestem, mas acho que isso é cíclico. Essa década, por exemplo, teve grandes filmes "fáceis". O King Kong de Peter Jackson não perde em nada para Elefante, de Gus Van Sant.
GRACC – O que você pensa sobre a descentralização dos espaços da crítica de cinema que hoje migrou, sobretudo, para a internet?
NASCIMENTO - Acho excelente. Críticos como Ruy Gardnier, por exemplo, foram revelados na rede e estão entre os melhores do país, contando com os críticos de "jornalão". Outros, como Marcelo Miranda e Kléber Mendonça Filho até escrevem em jornal, mas se tornaram conhecidos por meio de sites. O grande André Setaro, por exemplo, passou a ser muito lido fora da Bahia. Tem gente que reclama da qualidade desses textos, mas não me parece haver uma desproporção entre críticos bons e ruins maior do que na grande imprensa. Ao contrário, essa geração digital têm acesso a um número muito maior de filmes, e deve chegar aos 40 anos com uma bagagem cinematográfica que a maior parte dos críticos de hoje não tem.
GRACC– O jornalista Daniel Piza (Jornalismo Cultural, ed. Contexto, 2004) afirmou que a relação da crítica de cinema com a produção nacional passou, desde 1994, por um certo paternalismo e "confundiu-se a satisfação por ver sua retomada com mérito verdadeiro de cada um dos filmes". Qual a sua opinião sobre o relacionamento entre a crítica e o cinema da retomada?
NASCIMENTO - Acho normal que, depois de um tempo sem filmes, os primeiros a romper a bolha sejam saudados em excesso. Normal, mas não justificável: crítico não deve ver qualidade onde ela não existe. De qualquer jeito, esse entusiasmo não durou muito. Não acho que, em geral, a crítica tenha sido condescendente com o cinema brasileiro pós-retomada. Até mesmo filmes aclamados no resto do mundo encontraram oposição forte por aqui, como Cidade de Deus.
GRACC– Como você avaliaria a crítica de cinema no Brasil?
NASCIMENTO - Como já disse, acho que vivemos um momento promissor com essa nova geração de críticos, que deve melhorar o nível geral, mesmo que não produza nenhum Moniz Vianna ou José Lino Grunewald. Esses críticos de cultura universal parecem cada mais raros, e isso não deve mudar, mas pelo menos teremos um número maior de bons críticos. Acho que, no geral, temos poucos críticos excelentes, e uma maioria mediana.
Me parece que, em relação à Crítica Cinematográfica, Saymon possui uma visão otimista mas ainda com ressalvas. As suas respostas têm um tom de lucidez frente à crítica de cinema. Acho bom esse posicionamento. É inútil seguirmos uma concepção saudosista sem atentar que os tempos mudaram. A internet está aí, é inevitável fechar os olhos para a gradativa representatividade que ela vem tendo para a sociedade. Se adaptar a ela será quase que uma imposição...é aquela historinha antiga: sobrevive quem melhor se adaptar. bj e qj.